Você já parou para pensar em como se sente quando alguém grita com você? Mesmo na vida adulta, o grito costuma provocar um nó na garganta, reações de raiva ou um sentimento de impotência difícil de explicar. Agora imagine o impacto disso em uma criança, que ainda está formando sua estrutura emocional e aprendendo como lidar com o mundo ao redor.
A psicanalista Denise Barrozo da AfroSaúde explica que, para os pequenos, o grito pode ser muito mais do que apenas uma forma de chamar atenção. “Quando o grito se torna frequente, ele pode não só assustar, mas também paralisar, ferir emocionalmente e deixar marcas profundas”, alerta a especialista.
Do ponto de vista neurológico, o grito aciona um sistema de alarme no corpo da criança. Segundo Denise Barrozo, “quando um adulto grita, a criança ativa a amígdala cerebral, estrutura responsável por identificar perigos e ameaças. É como se o cérebro dissesse: ‘algo ruim vai acontecer, se proteja’.”
A partir daí, o organismo libera cortisol, hormônio do estresse, e entra num estado de alerta. O problema é que, quando isso acontece repetidamente, o cérebro infantil permanece em constante vigilância. “Essa situação afeta áreas fundamentais como o hipocampo, que está ligado à memória e ao aprendizado, e o córtex pré-frontal, que regula as emoções e o autocontrole”, explica a psicanalista.
Ou seja, além de assustar, o grito frequente compromete habilidades essenciais para o desenvolvimento da criança, como a concentração, o equilíbrio emocional e a capacidade de lidar com frustrações. “A longo prazo, o cérebro passa a registrar essas interações como ameaças contínuas, prejudicando a forma como a criança interpreta o mundo ao seu redor”, completa.
Os danos não são apenas neurológicos. No curto prazo, a criança que é exposta a gritos constantes pode se sentir confusa, culpada ou até mesmo errada por existir. “Ela ainda não entende completamente o porquê daquela reação, mas sente que está fazendo algo de muito errado, mesmo quando não está”, afirma Denise.
Esses sentimentos podem refletir em comportamentos como isolamento, agressividade, choro frequente e insegurança. E o mais preocupante: tudo isso pode impactar profundamente a autoestima da criança. “Ela começa a duvidar de si mesma, a se calar por medo de errar ou a reproduzir o grito como forma de comunicação com os outros”, diz a psicanalista.
Com o tempo, esse padrão pode se consolidar e se estender para a vida adulta. “Algumas crianças crescem acreditando que relações baseadas em gritos e agressividade são normais. Isso afeta sua forma de se relacionar, de confiar nos outros — e, principalmente, de confiar em si”, alerta Denise. Em casos mais severos, a criança pode até aceitar comportamentos abusivos por não ter aprendido outra forma de convivência.
Ninguém grita porque quer. O mais comum é que o grito surja em momentos de estresse, cansaço ou frustração por não saber lidar com determinadas situações. Mas, segundo Denise Barrozo, sempre é possível mudar: “O cérebro da criança tem uma grande capacidade de adaptação, chamada plasticidade. Isso significa que, mesmo que erros tenham acontecido no passado, sempre há tempo de melhorar.”
O primeiro passo é se observar. “Antes de gritar, pergunte-se: por que estou fazendo isso? Estou tentando ensinar ou apenas controlar? O que estou sentindo agora?”, propõe a especialista.
Algumas atitudes simples ajudam a transformar o ambiente familiar sem perder a autoridade:
“Trocar o grito por atitudes mais conscientes não é ser permissivo. Pelo contrário: é ensinar com mais presença, responsabilidade e empatia”, afirma Denise.
E se você sente que grita mais do que gostaria, não se culpe. “Isso acontece com muitos pais e cuidadores. O importante é reconhecer, buscar informações e se abrir para novas formas de educar”, reforça a psicanalista.
Educar não é acertar sempre, mas sim estar disposto a aprender junto com a criança. “Quando o adulto se transforma, a criança sente, responde e floresce. Criamos, assim, um espaço seguro e amoroso para ela crescer com mais confiança, autonomia e bem-estar emocional”, conclui Denise Barrozo.
Fonte: msn