O ponto de partida deste texto é uma reflexão sobre o racismo e seu impacto profundo na saúde mental. O racismo é um fenômeno social marcado pela atribuição de valores negativos a determinados grupos étnicos como agressividade, falta de educação, feiura, inferioridade ou selvageria. Essa construção social produz efeitos concretos na subjetividade das pessoas que a vivenciam.
O sentimento de inferioridade, por sua vez, é um fenômeno psicológico mais comum do que imaginamos. Ele se manifesta quando o indivíduo passa a desvalorizar a si mesmo e suas capacidades. Surge então uma pergunta importante: é possível que um fenômeno social, como o racismo, esteja diretamente ligado a um fenômeno subjetivo, como o sentimento de inferioridade? A resposta é sim, e compreender esse processo é essencial.
Um dos autores mais importantes para entender essa relação é Frantz Fanon, psiquiatra e intelectual negro nascido na Martinica, território caribenho sob domínio francês. Fanon viveu intensamente a contradição entre pertencer culturalmente à França, símbolo da branquitude e, ao mesmo tempo, ser marcado pela negritude que o colocava em uma posição socialmente inferiorizada.
Em sua obra clássica “Pele Negra, Máscaras Brancas”, Fanon descreve, com linguagem poética e contundente, como o racismo molda a subjetividade de pessoas negras. Ele argumenta que a sociedade branca impõe uma visão depreciativa da negritude, e essa visão, quando internalizada, leva o indivíduo negro a enxergar-se através de lentes negativas:
“Pouco tempo depois, estamos (nós negros) lendo livros brancos e assim assimilando gradualmente os preconceitos, os mitos e o folclore que nos chegam da Europa.”
Para Fanon, o “negro”, enquanto figura inferiorizada, não existe em si, mas é produzido socialmente pela cultura branca que o define como o “outro”, o negativo, a famosa “ovelha negra”. Essa assimilação cultural forçada pode gerar profundos sentimentos de inadequação e inferioridade.
Achar-se feio, incapaz ou menos inteligente muitas vezes não é fruto de uma percepção espontânea, mas sim da internalização de uma métrica de beleza, inteligência e valor construída a partir de padrões eurocêntricos. Se o que é “bom” ou “belo” é definido pela branquitude, tudo que se distancia dessa referência tende a ser visto como menor, e esse processo impacta diretamente a saúde mental da população negra.
Entretanto, é fundamental ressaltar: não se deve generalizar. Muitos negros não se sentem inferiorizados, constroem identidades fortalecidas e rejeitam essas imposições sociais o que é não apenas possível, como cada vez mais comum.
Ainda assim, não se pode ignorar os efeitos do racismo estrutural sobre a saúde mental.
Crescer em uma sociedade onde o padrão de beleza e perfeição é associado à cor branca pode ser doloroso. Mas há um movimento crescente de valorização da negritude, de resgate cultural e afirmação identitária. Que esse processo avance cada vez mais, até que todas as algemas simbólicas impostas historicamente sejam finalmente rompidas.