Para muitas mulheres, lidar com dependência é uma jornada marcada por recaídas, pressões sociais e jornadas diárias de cuidado. A possibilidade de usar Cannabis — especialmente CBD — como ferramenta complementar no tratamento de vícios tem ganhado atenção científica, espaço em consultórios pela relação entre o sistema endocanabinoide, estresse e recompensa cerebral.
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Estudos sobre álcool, estresse e sono apontam para uma via comum de recompensa cerebral que pode ser modulada pela Cannabis. Nesse cenário, a pergunta central não é se a Cannabis cura o vício, mas se ela pode reduzir a fissura, melhorar a qualidade do sono e aumentar a adesão a terapias tradicionais, especialmente entre mulheres que enfrentam cargas emocionais e sociais diferenciadas.
Certamente você conhece alguém que sofre de algum vício. Alguém que tenta há anos largar o cigarro, ‘fedidinho’ como disse o ator Selton Mello há pouco tempo em uma entrevista. Eu mesma, largar o tabaco foi um grande desafio. Ainda é. Consegui, com recaídas é verdade, e agora, a certeza de sempre alerta, pois sou ex-fumante e voltar a fumar é fácil.
Não é exclusividade. Segundo o relatório Mundial sobre Drogas da ONU de 2019: 35 milhões de pessoas em todo o mundo sofrem de transtornos por uso de drogas, enquanto apenas uma em cada sete pessoas recebe tratamento adequado.
Estima-se que existam 1.1 bilhão de fumantes em todo o mundo. E, pasmem: Para cada R$ 1 de lucro da indústria do tabaco, o Brasil gasta R$ 5 com doenças causadas pelo fumo. Os dados fazem parte do estudo A Conta que a Indústria do Tabaco Não Conta, divulgado pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca) e pelo Ministério da Saúde.
Assim como o álcool, problema de saúde pública global, com graves consequências para a saúde individual e social. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que o uso nocivo do álcool causa 2,6 milhões de mortes anualmente, com 90 mil delas ocorrendo no Brasil. No Brasil, a pesquisa Vigitel 2021 apontou que 18,4% da população brasileira consome álcool de forma abusiva. E praticamente em cada mercadinho do Brasil tem algum produto com álcool à venda, o acesso é mais fácil que pão.
E nós mulheres, com tantas sobrecargas, é fácil cair em vícios. Segundo a psiquiatra Dra Maria Fernanda Caliani, o corpo da mulher responde ao álcool de forma diferente. “É ciência e é biologia. As mulheres, geralmente apresentam maior vulnerabilidade aos efeitos tóxicos do álcool devido à menor porcentagem de água corporal, maior proporção de gordura corporal e menor atividade de enzimas responsáveis por metabolizar o álcool. Isso faz com que o álcool circule de maneira mais intensa no organismo feminino, mesmo com doses menores. Mas o que mais me preocupa é o invisível: o impacto social e emocional. A mulher que bebe carrega também o peso dos julgamentos. Enquanto o homem é muitas vezes visto como “alguém que exagerou”, a mulher é vista como “alguém que falhou”. Essa diferença cultural não apenas mascara o problema como retarda o cuidado, agravando as consequências físicas, mentais e sociais”, alerta a profissional.
Diante desse cenário, a Cannabis surge como recurso terapêutico complementar no manejo do alcoolismo feminino. O CBD, em especial, tem demonstrado potencial para reduzir a fissura e auxiliar no equilíbrio do sistema endocanabinoide, que regula circuitos de recompensa e estresse. A proposta não é abandonar a clínica tradicional, mas integrar uma ferramenta adicional que possa favorecer a adesão ao tratamento.
A relação entre álcool e Cannabis é complexa e envolve a ativação de vias de recompensa no cérebro. Segundo Dr. Gilberto Vieira Pannunzio “estudos atuais da relação entre álcool e cannabis mostram que ambas as substâncias podem levar à dependência por ativação do sistema de recompensa cerebral”.
Além disso, o profissional ressalta a noção de tolerância cruzada entre seus efeitos comportamentais e neurocognitivos. A pergunta sobre substituição versus complemento persiste entre profissionais, mas segundo ele há evidências de que, para alguns grupos com transtorno do uso de álcool, a Cannabis pode desempenhar um papel substitutivo. Em relatos de pacientes, o médico explica que a percepção é comum.
“Para diferentes grupos, as evidências são inconclusivas, mas para os indivíduos portadores de transtorno transtorno do uso do álcool há evidências de que o uso da Cannabis tem um papel substitutivo para o álcool. Então, parece que os estudos mostram que a Cannabis, para algumas pessoas, pode ter um efeito aí de troca que faz sentido. Tem muito paciente que fala: “Eu nem tô precisando beber mais, porque estou tendo a recompensa””, observa o médico Dr. Gilberto.
O médico entrevistado observa que o benefício depende de um manejo cuidadoso e de um plano individualizado, especialmente no caso das mulheres, cuja fisiologia e idade podem influenciar a resposta a diferentes canabinóides.
Igualmente, ele aponta que receptores endocanabinoides estão presentes em diversos tecidos, inclusive órgãos sexuais femininos.
O CBD aparece com maior evidência de benefício para a redução da fissura e para favorecer a estabilidade emocional durante a recuperação. Contudo, Dr. Gilberto destaca que o uso de THC, CBG e CBN também é discutido, sempre com monitoramento rigoroso para evitar efeitos psicoativos indesejados e outras complicações. “Utilizo óleo full spectrum em pacientes com bons resultados”.
As evidências sobre a possibilidade de substituição do álcool pela Cannabis não são universais e variam conforme o perfil individual, social e clínico de cada paciente. Em muitos casos, o objetivo é a redução de danos e a construção de uma rede de suporte que permita manter a recuperação sem novas dependências. Para além da clínica, a pesquisa sobre o sistema endocanabinoide continua promissora, mas aponta para a necessidade de estudos mais robustos e com amostras representativas de mulheres.
No entanto, Dr. Gilberto salienta a necessidade da personalização do tratamento — com avaliação de efeitos adversos, interações medicamentosas e considerações hormonais — emerge como elemento crucial para o sucesso terapêutico. “Enquanto o conhecimento avança, a mensagem aos pacientes permanece clara: a cannabis pode fazer parte de um plano terapêutico integrado, desde que utilizada com supervisão médica”, finaliza.
Fonte: cannabisesaude