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Como a Cannabis pode ser uma aliada para mulheres que sofrem com vícios e compulsões?

Para muitas mulheres, lidar com dependência é uma jornada marcada por recaídas, pressões sociais e jornadas diárias de cuidado. A possibilidade de usar Cannabis — especialmente CBD — como ferramenta complementar no tratamento de vícios tem ganhado atenção científica, espaço em consultórios pela relação entre o sistema endocanabinoide, estresse e recompensa cerebral. 

Por:

Denise Tamer

Jornalista com mestrado em Comunicação e Cultura pelo Uruguai, dedicada a criar filhos em um mundo consciente e informado sobre os benefícios da Cannabis para a saúde.
 

Estudos sobre álcool, estresse e sono apontam para uma via comum de recompensa cerebral que pode ser modulada pela Cannabis. Nesse cenário, a pergunta central não é se a Cannabis cura o vício, mas se ela pode reduzir a fissura, melhorar a qualidade do sono e aumentar a adesão a terapias tradicionais, especialmente entre mulheres que enfrentam cargas emocionais e sociais diferenciadas.

Vícios: a vulnerabilidade à flor da pele

Certamente você conhece alguém que sofre de algum vício. Alguém que tenta há anos largar o cigarro, ‘fedidinho’ como disse o ator Selton Mello há pouco tempo em uma entrevista. Eu mesma, largar o tabaco foi um grande desafio. Ainda é. Consegui, com recaídas é verdade, e agora, a certeza de sempre alerta, pois sou ex-fumante e voltar a fumar é fácil. 

Não é exclusividade. Segundo o relatório Mundial sobre Drogas da ONU de 2019: 35 milhões de pessoas em todo o mundo sofrem de transtornos por uso de drogas, enquanto apenas uma em cada sete pessoas recebe tratamento adequado. 

Estima-se que existam 1.1 bilhão de fumantes em todo o mundo. E, pasmem: Para cada R$ 1 de lucro da indústria do tabaco, o Brasil gasta R$ 5 com doenças causadas pelo fumo. Os dados fazem parte do estudo A Conta que a Indústria do Tabaco Não Conta, divulgado pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca) e pelo Ministério da Saúde. 

Assim como o álcool, problema de saúde pública global, com graves consequências para a saúde individual e social. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que o uso nocivo do álcool causa 2,6 milhões de mortes anualmente, com 90 mil delas ocorrendo no Brasil. No Brasil, a pesquisa Vigitel 2021 apontou que 18,4% da população brasileira consome álcool de forma abusiva. E praticamente em cada mercadinho do Brasil tem algum produto com álcool à venda, o acesso é mais fácil que pão. 

Mulheres e o vício em álcool

E nós mulheres, com tantas sobrecargas, é fácil cair em vícios. Segundo a psiquiatra Dra Maria Fernanda Caliani, o corpo da mulher responde ao álcool de forma diferente. “É ciência e é biologia. As mulheres, geralmente apresentam maior vulnerabilidade aos efeitos tóxicos do álcool devido à menor porcentagem de água corporal, maior proporção de gordura corporal e menor atividade de enzimas responsáveis por metabolizar o álcool. Isso faz com que o álcool circule de maneira mais intensa no organismo feminino, mesmo com doses menores. Mas o que mais me preocupa é o invisível: o impacto social e emocional. A mulher que bebe carrega também o peso dos julgamentos. Enquanto o homem é muitas vezes visto como “alguém que exagerou”, a mulher é vista como “alguém que falhou”. Essa diferença cultural não apenas mascara o problema como retarda o cuidado, agravando as consequências físicas, mentais e sociais”, alerta a profissional.

Estudos de saúde pública corroboram que as trajetórias de consumo entre mulheres costumam ser complexas, envolvendo múltiplas responsabilidades e fatores estressores que facilitam o uso problemático de substâncias

Diante desse cenário, a Cannabis surge como recurso terapêutico complementar no manejo do alcoolismo feminino. O CBD, em especial, tem demonstrado potencial para reduzir a fissura e auxiliar no equilíbrio do sistema endocanabinoide, que regula circuitos de recompensa e estresse. A proposta não é abandonar a clínica tradicional, mas integrar uma ferramenta adicional que possa favorecer a adesão ao tratamento.

Relação álcool x Cannabis

A relação entre álcool e Cannabis é complexa e envolve a ativação de vias de recompensa no cérebro. Segundo Dr. Gilberto Vieira Pannunzio “estudos atuais da relação entre álcool e cannabis mostram que ambas as substâncias podem levar à dependência por ativação do sistema de recompensa cerebral”.

Além disso, o profissional ressalta a noção de tolerância cruzada entre seus efeitos comportamentais e neurocognitivos. A pergunta sobre substituição versus complemento persiste entre profissionais, mas segundo ele há evidências de que, para alguns grupos com transtorno do uso de álcool, a Cannabis pode desempenhar um papel substitutivo. Em relatos de pacientes, o médico explica que a percepção é comum.

“Para diferentes grupos, as evidências são inconclusivas, mas para os indivíduos portadores de transtorno transtorno do uso do álcool há evidências de que o uso da Cannabis tem um papel substitutivo para o álcool. Então, parece que os estudos mostram que a Cannabis, para algumas pessoas, pode ter um efeito aí de troca que faz sentido. Tem muito paciente que fala: “Eu nem tô precisando beber mais, porque estou tendo a recompensa””, observa o médico Dr. Gilberto.

Além de reduzir a fissura, a Cannabis pode contribuir para a redução da abstinência e das recaídas ao atuar como moduladora de ansiedade e sono — aspectos centrais no manejo de dependências. 

O médico entrevistado observa que o benefício depende de um manejo cuidadoso e de um plano individualizado, especialmente no caso das mulheres, cuja fisiologia e idade podem influenciar a resposta a diferentes canabinóides. 

Igualmente, ele aponta que receptores endocanabinoides estão presentes em diversos tecidos, inclusive órgãos sexuais femininos.

Do ponto de vista científico, a ideia de inserir a Cannabis como adjuvante está alinhada a uma visão de cuidado integrada, que busca reduzir danos, aumentar a qualidade de vida e sustentar a recuperação ao longo do tempo

O CBD aparece com maior evidência de benefício para a redução da fissura e para favorecer a estabilidade emocional durante a recuperação. Contudo, Dr. Gilberto destaca que o uso de THC, CBG e CBN também é discutido, sempre com monitoramento rigoroso para evitar efeitos psicoativos indesejados e outras complicações. “Utilizo óleo full spectrum em pacientes com bons resultados”.

As evidências sobre a possibilidade de substituição do álcool pela Cannabis não são universais e variam conforme o perfil individual, social e clínico de cada paciente. Em muitos casos, o objetivo é a redução de danos e a construção de uma rede de suporte que permita manter a recuperação sem novas dependências. Para além da clínica, a pesquisa sobre o sistema endocanabinoide continua promissora, mas aponta para a necessidade de estudos mais robustos e com amostras representativas de mulheres. 

No entanto, Dr. Gilberto salienta a necessidade da personalização do tratamento — com avaliação de efeitos adversos, interações medicamentosas e considerações hormonais — emerge como elemento crucial para o sucesso terapêutico. “Enquanto o conhecimento avança, a mensagem aos pacientes permanece clara: a cannabis pode fazer parte de um plano terapêutico integrado, desde que utilizada com supervisão médica”, finaliza.

Fonte: cannabisesaude