Clinica Medica Assis

O despertar tardio: TDAH em idosos e suas peculiaridades

Introdução
O transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) é uma condição neuropsiquiátrica de início na infância, caracteriza da por sintomas persistentes de desatenção, hiperatividade e impulsividade. Tradicionalmente associado a crianças e adultos jovens, o TDAH em idosos tem recebido atenção crescente, devido ao reconhecimento de sua persistência ao longo da vida e ao impacto significativo na qualidade de vida nessa faixa etária, o que representa um desafio significativo para a prática clínica contemporânea e reflete a complexa interação entre um transtorno do neurodesenvolvimento e o processo de envelhecimento.1-4

Aspectos Gerais
O TDAH, que por muitos anos foi considerado um transtorno da infância e adolescência, é agora reconhecido como uma condição que pode persistir na vida adulta e até mesmo na terceira idade.1

A complexidade do TDAH em idosos emerge da interação entre os sintomas nucleares do transtorno e as alterações cognitivas próprias do envelhecimento.5,6 Essa sobreposição sintomatológica representa um desafio diagnóstico, especialmente considerando-se a prevalência crescente de condições neurodegenerativas nessa faixa etária.6,7 Além disso, a presença de comorbidades clínicas e psiquiátricas, comuns nessa faixa etária, adiciona camadas de complexidade ao manejo clínico.6

Peculiaridades no diagnóstico do TDAH em idosos
A apresentação clínica do TDAH em idosos frequentemente difere do padrão observado em populações mais jovens.8 Nos idosos, observam-se a predominância de sintomas de desatenção sobre a hiperatividade e a manifestação de dificuldades mais sutis relacionadas à impulsividade, frequentemente expressas por meio de tomadas de decisão precipitadas e dificuldades no controle de gastos financeiros.4,9,10 Os pacientes frequentemente demonstram dificuldades pronunciadas na organização e no planejamento temporal, aspectos que podem ser confundidos com processos neurodegenerativos.5

O diagnóstico do TDAH em idosos demanda uma abordagem sistemática e abrangente que integra múltiplos aspectos clínicos, como aspectos do funcionamento cognitivo e comportamental atual, análise retrospectiva minuciosa, inclusive a documentação histórica dos sintomas desde a infância, o que necessita do uso de registros escolares antigos, quando disponíveis, e da realização de entrevistas detalhadas com familiares sobre o comportamento precoce do paciente.3,4,8 O uso de instrumentos de avaliação específicos, como escalas e entrevistas semiestruturadas, constituem ferramentas importantes no processo de avaliação diagnóstica, apesar da necessidade de adaptações para essa população.4,6,8

Comorbidades psiquiátricas e clínicas frequentes
Idosos com TDAH apresentam elevadas taxas de comorbidades psiquiátricas e clínicas. Dentre as comorbidades psiquiátricas, transtornos do humor, como depressão e transtorno bipolar, são frequentes.4 Transtornos de ansiedade, inclusive ansiedade generalizada e transtorno do pânico, também são comuns nessa população.11 No âmbito clínico, as comorbidades englobam doenças cardiovasculares, como hipertensão arterial e doença arterial coronariana,12 e doenças metabólicas, como diabetes mellitus do tipo 2 e dislipidemias.10,13-15 Além disso, há uma associação com doenças neurodegenerativas, com evidências que sugerem que indivíduos com TDAH podem ter maior risco de desenvolver condições como Alzheimer e demência com corpos de Lewy.5,8

A sobreposição de sintomas de depressão e TDAH pode dificultar a obtenção do diagnóstico.6 O transtorno bipolar em idosos com TDAH apresenta desafios particulares, sobretudo no que diz respeito ao manejo farmacológico e à diferenciação entre sintomas.Os transtornos de ansiedade podem exacerbar os sintomas do TDAH e complicar o tratamento.5 A ansiedade generalizada, em particular, pode intensificar as dificuldades de concentração e organização já presentes no TDAH.16

Doenças cardiovasculares requerem monitoramento cuidadoso, especialmente ao considerar o uso de psicoestimulantes.12 A coexistência de TDAH e doença de Parkinson apresenta desafios únicos, tanto no diagnóstico quanto no tratamento, devido à sobreposição de sintomas cognitivos e à necessidade de ajustes cuidadosos na medicação.17,1

TDAH e doenças neurodegenerativas
Alguns estudos têm sugerido que indivíduos com TDAH apresentam maior probabilidade de desenvolver comprometimento cognitivo leve (CCL) e demência.5 Essa associação pode ser atribuída a diversos fatores, tais como alterações neurobiológicas compartilhadas,18,19 estilos de vida e comportamentos de risco,5 além de processos de estresse oxidativo e inflamação crônica.20

Alguns estudos mostram que indivíduos com TDAH têm maior predisposição à doença de Alzheimer,21 enquanto outros destacam que sintomas de TDAH podem mimetizar ou coexistir com a demência com corpos de Lewy.22-24 Os mecanismos propostos para explicar essas associações incluem alterações neuroquímicas, estresse oxidativo e inflamação crônica.20

O diagnóstico diferencial em relação a outras condições neurocognitivas é crucial, particularmente com o CCL e a doença de Alzheimer. A diferenciação baseia-se na identificação de padrões distintos de déficit de memória, nas características específicas da progressão dos sintomas e na resposta a intervenções cognitivas.5,25

Peculiaridades neurobiológicas do TDAH no idoso
Estudos de neuroimagem têm revelado a presença de alterações estruturais e funcionais no TDAH.26 Observa-se uma redução volumétrica no córtex pré-frontal dorsolateral, bem como alterações na substância branca frontal.26 Essas mudanças estruturais são acompanhadas por modificações na conectividade entre regiões frontais e estruturas subcorticais, particularmente nos circuitos frontoestriatais, que desempenham papel crucial na regulação das funções executivas e comportamentais.27

Dr. Rodrigo Nogueira Borghi       
CRM-SP 138.816 | RQE 34.637 (Psiquiatria)
Graduado em Medicina pela Universidade Iguaçu (UNIG-RJ)
Residência Médica em Psiquiatria pelo Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira/Hospital Municipal Jurandyr Manfredinni
Membro Internacional da Associação Americana de Psiquiatria (APA)
Membro do Neuroscience Education Institute (NEIGLOBAL)
Membro da ADHD World Federation. Docente e membro do Instituto Brasileiro de Psicofarmacologia e Farmacogenética (BIPP)

Fonte: torrentonline